Processos da experiência musical

Ouvir ou tocar uma peça de Brahms é também invocar um conhecimento prévio de, digamos, Beethoven e Schumann, bem como uma experiência com baladas, variações, rondós e rapsódias em geral, assim como outras formas musicais. Nesta “audição” de um compositor entram muitos componentes, todos eles comunicados e mantidos como um tipo de erudição que, afinal, é internalizado pelo músico que toca, e também pelo ouvinte de uma obra de um dado compositor.

– Edward W. Said: Elaborações Musicais – Capíulo 3: Melodia, Solidão e Afirmação

A riqueza da erudição musical

A riqueza da erudição musical

nada mais completo do que o triunfo de Mozart

“Ao final da ópera”, escreveu Kelly, “achei que o público não ia parar de aplaudir e de chamar Mozart à cena; praticamente todas as peças foram bisadas, o que prolongou o espetáculo quase que à duração de três óperas (e ela já durava pelo menos quatro horas), o que levou o imperador a dar uma ordem, na segunda representação, de que nenhuma peça musical deveria ser bisada. Nunca houve nada mais completo do que o triunfo de Mozart.

— Peggy Woodford: Mozart (citando o cantor irlandês Michael Kelly)

mozart

Posthumous painting by Barbara Krafft in 1819

relendo a história de um anjo

relendo a história de um anjo

Papo de Bach

Muitas teses já foram levantadas tentando provar que Bach formou uma equipe de filhos para auxiliá-lo na tarefa de compor, mas até agora não temos provas satisfatórias de que isso tenha realmente ocorrido. Estudiosos belgas defendem a tese de que Bach, quando compunha uma fuga a oito vozes, por exemplo, só escrevia a primeira voz, deixando as outras sete para os filhos.

— Tim Rescala: Pequena História (não autorizada) da Música

família bach

Um escrete bachana: Johann Sebastian Bach (esq) e seus filhos Carl Philipp Emanuel, Johann Christian, Wilhelm Friedemann e Johann Christoph Friedrich

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Mestre bachana

concerto do maestro doido

concerto do maestro doido

 

gosto antecipado do ato criativo

Toda criação pressupõe, em sua origem, uma espécie de apetite provocado pela antevisão da descoberta. Esse gosto antecipado do ato criativo acompanha a captação intuitiva de uma entidade desconhecida já possuída mas ainda não inteligível, uma entidade que só tomará forma definitiva pela ação de uma técnica constantemente vigilante.

— Igor Stravinsky: Poética Musical em 6 lições

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técnica constantemente vigilante

Igor Stravinsky wearing two pairs of glasses while reading musical score during a rehearsal

Igor Stravinsky wearing two pairs of glasses while reading musical score during a rehearsal

Ideias clássicas de um mestre da inovação

Rigores clássicos de um mestre da inovação

Do infinito astral ao folclore brasileiro

(…) segundo a sua visão personalíssima, a música de Bach “vem do infinito astral para se infiltrar na terra como música folclórica”. Bach representava para ele uma “fonte folclórica universal”.

Desse contraponto único, nascerão as Bachianas Brasileira, que Villa-Lobos começa a escrever no ano de seu regresso ao Brasil – 1930. Para o resto do mundo musical, era também a época do “neoclassicismo”, do “retorno a Bach”, como se pode ver em diversas obras de Stravinsky. Mas para Villa, não se tratava apenas de promover o “retorno a Bach”, e sim de estabelecer uma conversa entre as suas duas grandes matrizes musicais: a música de Bach e a dos “chorões”.

— Luiz Paulo Horta: Villa Lobos – Uma Introdução

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Uma conversa entre as suas duas grandes matrizes musicais: a música de Bach e a dos “chorões”

um bachiano brasileiro

o bachiano brasileiro

Num bar caindo aos pedaços

Vocês viraram popstars? Al ri. “Ainda não, mas estamos perto. Há um ano, estava com Billy, do Skatenings, no interior do México. Era um lugar pobre e completamente fudido. Não tínhamos um centavo e começamos a fingir que éramos do Guns’n’Roses para ver se descolávamos bebida de graça. O Billy tinha um chapéu igual ao do Slash, e lá fomos nós. Entramos num bar caindo aos pedaços. Cheguei pro cara do balcão e disse em espanhol: Eu sou Slash, do Guns’n’Roses, e esse é o Axl. ‘Mentira’, disse o cara. “Você é o Al, do Ministry, e sua banda é fudida’.”

— André Barcinski: Barulho  (trecho da entrevista com Al Jourgensen, do Ministry.

ministry

Al, da banda fudida

smells like teen spirit

smells like teen spirit

O que o coração sentiu no tormento da Paixão

Mas o que não saberíamos ressaltar a contento nem tentar fazer compreender, o que torna Mozart um gênio absolutamente único, é a união constante e indissolúvel da beleza de forma, e da verdade de expressão. Pela verdade, ele é humano; pela beleza, é divino. Pela verdade, ele nos toca, nos comove, reconhecemo-nos todos nele, e proclamamos, por isso, que ele conhece verdadeiramente bem a natureza humana, não apenas em suas diferentes paixões, mas ainda na variedade de forma e de caráter que podem exibir. Pela beleza, ele transfigura o real, deixando-o sempre inteiramente reconhecível; eleva-o e o transporta, pela magia de uma linguagem superior, àquela região luminosa e serena que constitui a Arte, e na qual a Inteligência repete, coma tranquilidade da Visão, o que o coração sentiu no tormento da Paixão.

— Charles Gounod: O Don Giovanni de Mozart

legenda 1

Pela beleza, ele transfigura o real

legenda 2

Pela verdade, ele nos toca, nos comove, reconhecemo-nos todos nele

a ópera que todo compositor do gênero queria ter feito

A ópera que todo compositor do gênero queria ter feito

Sons celestiais saídos diretamente de seus corpos

“(…) – eu pensava que a música que ouvia vinha das pedras da ospedale. Sempre havia música, então concluí, com a lógica das crianças, que as pedras cantavam. Mais tarde, quando vi a orquestra, pensei que os corpos das meninas faziam parte dos instrumentos que tocavam. Afinal de contas, eles faziam parte de seus nomes: Beatrice dal Violin, Maria dal Flauto, Paola dal Mandolin. Havia também garotas que não tinham instrumentos ligados a seus nomes, mas sons celestiais saídos diretamente de seus corpos: Prudenza dal Soprano, Anastasia dal Contralto, Michielina d’Alto. Lembro-me do momento em que alguém me disse que não, elas não eram anjos. Eram meninas feitas de carne e osso como eu.”

— Barbara Quick: A Virgens de Vivaldi

musica das pedras

pensava que a música que ouvia vinha das pedras da ospedale

Commemorative plaque beside the Ospedale della Pietà.

Commemorative plaque beside the Ospedale della Pietà.

Ritratto presunto di Antonio Vivaldi (anonimo, XVIII sec.) conservato nel Museo internazionale e biblioteca della musica di Bologna

Ritratto presunto di Antonio Vivaldi (anonimo, XVIII sec.) conservato nel Museo internazionale e biblioteca della musica di Bologna

Música dos Anjos

Música dos Anjos

época de Vivaldi

Patti and her kids

Antes de ir embora, contei que havia feito uma musiquinha para ela, e cantei.

I was working real hard

To show the world what I could do

Oh I guess I never dreamed

I’d have to

World spins some photographs

How I love to laugh when the crowd laughs

While love slips through

A theather that is full

But oh baby

When the crowd goes home

And I turn in and I realize I’m alone

I can’t believe

I had to scrifice you

Ela disse: “Essa sou eu, cara. É a minha música”. Quando eu estava saindo, olhou-se no espelo, ajeitando os boás. “Como estou, cara?”

“Parece uma pérola”, respondi. “Uma pérola de menina.”

Janis Joplin

Janis Joplin

Entrei no quarto. Em uma cama simples de ferro, havia um menino dormindo. Ele era pálido e magro com massas de cachos castanhos, deitado sem camisa com um colar de miçangas no pescoço. Fiquei ali parada. Ele abriu os olhos e sorriu.

Robert Mapplethorpe

Robert Mapplethorpe

O Chelsea parecia uma casa de bonecas de Além da imaginação, com uma centena de quartos, sendo cada um deles um pequeno universo. Eu vagava pelos corredores tentando encontrar seus espíritos, mortos ou vivos. Minhas aventuras eram algo sorrateiras, como entrabrir uma porta e ver de relance o piano de cauda de Virgil Thomson, ou ficar parada diante da porta de Arthur C. Clarke, torcendo para que ele talvez surgisse de repente.

Hotel Chelsea

Hotel Chelsea

 

— Patti Smith: Só Garotos

 

Vida de Artista

Vida de Artista

 

Storm Thorgerson

1944 – 2013

Pink Floyd: The Dark Side of The Moon

Pink Floyd: The Dark Side of The Moon

Led Zeppelin: The Houses of The Holy

Led Zeppelin: The Houses of The Holy

Genesis: The Lamb Lies Down on Broadway

Genesis: The Lamb Lies Down on Broadway

Só por essas três capas formou-se uma dívida impagável. Storm está no coração da memória coletiva-afetiva de capas de discos. Mais do que ampliar a experiência da música, suas imagens capturam, intrigam e perturbam como sonhos que nos acompanham por toda a vida.