Acho que aprendi a amar filmes por causa do meu pai. Por causa dele, não gostava só de Disney e Trapalhões, mas curti Clint Eastwood, John Wayne e Steve McQueen. Lembro dos filmes que formei na cabeça quando papai contava partes – as que era possível contar – de “Um estranho no ninho” e “Excalibur”. Mas as lembranças mais caras são de assistir coisas épicas, de guerra e westerns, como “El Cid”, “A Ponte do Rio Kwai” e “Os Abutres têm fome”.
Devo ter assistido ao “Bravura Indômita” com John Wayne, embora não lembre direito. O filme que os irmãos Cohen levaram às telas tem algo de familiar. Assistí-lo foi meio como voltar à sala de um apartamento da rua Barata Ribeiro e ficar com os olhos vidrados na TV ao lado de meu pai, que já tinha vista N vezes aquele clássico da sessão “bangue-bangue”.
É engraçado pensar nos westerns se estivermos fora do contexto. Numa visão bem distante. O que acontece com sujeitos de origem desconhecida que chegam a uma cidade pequena, no meio do nada. Será bandido ou mocinho? Vilão ou herói? Será que nos identificamos e vivemos a experiência simbólica do desconhecido, de gostar do estranho que tememos na vida real?
A jovem Mattie procura um paladino da justiça. Alguém que vai ajudá-la a conseguir sua vingança. Ela não é um marmanjo solitário e sujo, que chega montado num cavalo, vindo do nada. Carregado de rifle, revólver, esporas, chapéu empoeirado e dando cusparadas velozes. Ela é uma garota de 14 anos que quer castigar o homem que matou seu pai. Mas a figura que ela busca não é necessariamente um herói. Ela deseja algo implacável. A vingança acima dos meios para atingí-la. Uma garota encara os riscos e negocia os recursos de que precisa com homens durões, num fim de mundo.
True Grit foi meio que esnobado pelos principais prêmios de cinema. Mas, pelo que vi, foi a melhor realização do cinema americano dos últimos meses. Hailee Steinfeld podia ser mais uma pentelha atriz mirim, mas a personagem é uma chata tão facinante que nem se encaixa no estereótipo. E a direção dos Cohen confere um estranhamento bom para a história. A cena do “urso” chegando a cavalo é surreal!!!! As locações são maravilhosas e o elenco, o melhor possível. Jeff Bridges, que vive o xerife Rooster Cogburn (mesmo papel de John Wayne no filme dos anos 60, com o mesmo tapa-olho e tudo) está perfeito. Dá até saudade de ouvir a voz cheia de whisky. E Matt Damon, de quem não gosto muito, se sai muito bem como o Texas ranger Labeouf.
Essa relação pouco provável da menina com os brutos proporciona diálogos que enriquecem a enciclopédia das citações cinematográficas. Vou reproduzir abaixo duas amostras.
Depois de trucidarem bandidos num tiroteio Mattie e o xerife discutem sobre o sepultamento dos homens.
Rooster Cogburn: – We’ll sleep here and follow in the morning.
Mattie Ross: – But we promised to bury the poor soul inside!
Rooster Cogburn: – Ground’s too hard. Them men wanted a decent burial, they should have got themselves killed in summer.
Em outra cena, Mattie acorda sendo observada por Labeouf com quem vive discutindo.
LaBoeuf: – You give out very little sugar with your pronouncements. While I sat there watchin’ I gave some thought to stealin’ a kiss… though you are very young, and sick… and unattractive to boot. But now I have a mind to give you five or six good licks with my belt.
Mattie Ross: One would be just as unpleasant as the other.
Bom de ver numa tela bem grande, com som dolby. Isso é que chamo de cinema. Isso é que é gostar de filmes.
Mas, não deixe de ver mesmo que seja em DVD ou arquivo AVI.