O sono dava-me alívio, não pela razão comum de ser irmão da morte, mas por outra coisa. Acho que posso explicar assim esse fenômeno: – o sono, eliminando a necessidade de uma alma exterior, deixava atuar a alma interior. Nos sonhos, fardava-me, orgulhosamente, no meio da família e dos amigos, que me elogiavam o garbo, que me chamavam de alferes; vinha um amigo de nossa casa, e prometia-me o posto de tenente, outro o de capitão ou major; e tudo isso fazia-me viver. Mas quando acordava, dia claro, esvaía-me como o sono, a consciência do meu ser novo e único, – porque a alma interior perdia a ação exclusiva, e ficava dependente da outra, que teimava em não tornar…
— Machado de Assis: O Espelho (em Contos Escolhidos)